segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Na trilha do Morro do Gravatá

Trilhas são ótimas oportunidades para se conhecer as pessoas. Você encontra todo tipo de gente. Tem os atléticos, os bem-dispostos, os que se superam, os pagadores de promessa...

Mas também tem os experientes, os ecológicos, os místicos, os curiosos, os turistas, os que só tropeçam, os que se perdem, as vítimas dos mosquitos, os bissextos, os iniciantes, as delicadas, os truculentos, quer dizer, nas trilhas, só não tem gente normal...
Por isso que o trekking não é apenas uma atividade física de imersão na natureza, onde se possibilita o contato direto com a fauna e a flora selvagens. Na-na-ni-na-não! Fazer trilhas também é um exercício antropológico, um mergulho na alma humana, uma saga em busca da compreensão da sociedade. Quem caminha também observa. E frequentemente, a “fauna” que te rodeia é tão interessante quanto o bando de macaquinhos saracoteando nas árvores, ou a revoada triunfal dos pássaros no firmamento.

Feito esse magnânimo intróito, podemos afirmar que a trilha da Praia do Gravatá, que fizemos no domingo (27), foi mais uma oportunidade para caminhar, escalar, esvair-se em suor e observar a raça humana...


Logo no começo, por exemplo, uma cena foi reveladora. Com o peito estufado, Rogério aponta para uma planta rasteira parecendo uma coroa verdejante: “Esta é uma babosa. O nome científico é aloe vera, e você pode partir a folha e usar a seiva para pôr nos cabelos. É ótimo!”. Ana fica assombrada com a erudição. Mas o encanto durou exatamente um milissegundo. Nosso bravo guia Joel passa ao lado com duas trilheiras, aponta a mesma planta e solta: “Este é um gravatá, e é justamente por isso que a praia tem esse nome. A gente vai encontrar muitos no caminho”. Ana volta-se para Rogério que estava agachado no chão procurando a própria cara... É, quem sabe, sabe...

Mais uma vez, fizemos a trilha com uma turma muito animada, liderada pelo Fazendo Trilhas, do Joel e da Ana (à direita, com o óculos do tipo Matrix)

A trilha da praia e do morro do Gravatá é um dos caminhos mais deslumbrantes naquele trecho da Ilha. Não é difícil, é bem aberta, tem alguma lama, bastante espinhos, mas o visual que se tem lá de cima é sen-sa-cio-nal.

 (Para um relato sério e detalhado do que fizemos, leia o que nossos guias deixaram em seu site)

Em diversos trechos, pode-se sentar à beira do caminho e contemplar a natureza. Sempre é bom segurar o queixo, pois a vista costuma deslocar maxilares...

 
Mas falávamos do exercício antropológico que é fazer trilhas. Além da catalogação dos espécimes que nos acompanham, é possível também observar seus hábitos alimentares, e até mesmo suas atividades metabólicas. Há os que gastam energia mesmo...

Já existem outros que não podem ver uma rocha disponível... A desculpa sempre é a mesma: ver a paisagem. Mas precisa observar com a língua de fora, ofegante?

Como é de regra, um bom-grupo-social-fazedor-de-trilhas deve conter também espécimes mais solidários, que ajudam os demais a subir pedras, que os puxam pelas mãos, enfim, que estimulam seus parceiros a continuar...

Quando é assim, o "resgate aos atrasildos" é mais fácil...

Mas um grupo de trilheiros não pode se furtar de contar com a essencial presença de quem abre caminhos, de quem literalmente retira as pedras da estrada, abrindo novas perspectivas para os caminhantes. No catálogo internacional criado por nossos especialistas em AntropoTrilhismo, esses são os "desbravadores"

Eles têm hábitos diurnos, alimentam-se de barras de cereal, fazem constantes transfusões intravenosas de isotônicos e não dispensam fazer fotinhos clássicas como cogumelos da Manchúria nascendo em troncos de mini-Sequoia abandonados. Apesar disso, os "desbravadores" são do bem. A recomendação que se deixa é: não os convide para mais de uma trilha numa semana. Pode haver consequências funestas...

Uma boa trilha conta com os "filosóficos". Para eles, qualquer coisinha basta para tecer grandes elocubrações acerca da existência e do porquê das coisas. A observação do derramamento de basalto na praia, evento com 160 milhões de anos, já motivou um pequeno grupo a discutir a vida na Terra, a agricultura celeste, o futuro do universo, e - claro! - o fim precoce da humanidade. (Mas não se preocupem: aproveitamos a altura das pedras para convencer os "filosóficos" a mudarem de assunto...)

A trilha contou também com os "ecológicos". Eles se dispuseram a recolher o lixo que encontraram pelo caminho. As sacolinhas plásticas não foram suficientes para tanto, mas eles não se deram por vencidos. Transportaram o que puderam até um ponto de coleta. Assim, mais uma vez, o dia foi salvo pelos "ecológicos" (entra fundo musical glorioso)

Falemos também da natureza selvagem... acima, não se engane. É lama mesmo e um fiozinho de água escorrendo infinitamente pela trilha. Não se trata de um flagrante de um trilheiro se aliviando...

Acima, uma amostra da diversidade vegetal, arbustos fofinhos e belos na altura dos olhos, e espinhos lacerantes, dolorosos e venenosos na altura das canelas. Ai! Alguém aí tem um band-aid?

Sedentos por aventuras, alguns se refestelam nas rochas diante do vento forte. Os mais impetuosos chegam às beiradas desafiando a própria sorte. São duas espécies comuns na fauna trilheira: os "impetuosos" e os "sedentos"

A moderna biologia que dá suporte ao AntropoTrilhismo define os "impetuosos" como "seres incansáveis, cujos limites estão sempre no horizonte. Como para o caminhante, o horizonte se move a cada passo, já viu, né?..."

Os "sedentos" são cientificamente chamados de Aiquesede sedentarius, e costumam tirar longas sonequinhas nas mais diferentes ocasiões. Para eles, há um lema: "não precisamos de um lugar especial para descansar; só precisamos de uma oportunidade"...

Xi! Olha lá na ponta! Dois exemplares da fauna trilheira que atendem pelo nome de "justiceiros". De acordo com nossos especialistas, eles andam em bandos, são predominantemente do sexo masculino, têm hábitos noturnos, mas ainda é desconhecida a forma como se "alimentam"...

Mais um flagrante. Nosso guia Joel (de vermelho) diz para Ana: "E se a gente saísse correndo daqui agora e deixasse esses caras para trás? Não seria divertido?" Ana convenceu-o de que o grupo "valeria" muito mais vivo do que perdido no Gravatá...

Como já dissemos, a aventura de domingo foi um deleite para os olhos...

Mas sempre é bom ficar atento. Afinal, havia muitos urubus sobrevoando o grupo e essas aves costumam ter uma boa pontaria. Se é que nos entendem...

Uma boa trilha traz ainda outro intrigante caso da biologia moderna: os "desejosos". Caracterizados por um semblante calmo e benevolente, esses espécimes são observadores atávicos, contempladores contumazes. Por isso, sempre que eles se encostam numa rocha e lançam seus poderosos olhares para a paisagem, tomem cuidado: eles estão fazendo desejos. E isso pode dar certo...

Acima, nossas lentes capturaram o momento exato de avistamento de outro exemplar da fauna trilheira: uma "delicada" faz companhia para flores amarelas, nitidamente contrariadas com o charme da visitante...

A trilha de domingo foi um autêntico laboratório de AntropoTrilhismo. Mas vimos mais coisa: encontramos por exemplo um outro grupo de caminhantes. Arredios, não quiseram fazer amizade com a gente. Sei lá, sempre tem quem se ache melhor que a gente...

Por falar em "se achar"...

Penúltima espécie identificada na Trilha da Praia do Gravatá: os "invisíveis". Ladinos, insinuantes, discretos, rápidos e experts em disfarces, esses seres passam quase que desapercebidos. No instante acima, nossas lentes flagraram um casal de "invisíveis" trabalhando para aumentar a taxa de natalidade de sua espécie. O macho é o que está apoiado nas pedras, sem roupas mas ainda com meias. A fêmea, bem, a fêmea... uai! Cadê ela?!

A expedição de domingo não seria completa se não fizéssemos uma descoberta que abalaria os pilares da ciência moderna. Afinal, é pra isso que existe o AntropoTrilhismo! Nossos abnegados pesquisadores descobriram uma espécie da "fauna" trilheira, que conjuga os muitos esforços físicos, mentais e psicológicos dispendidos em longas caminhadas, e a simpatia, bom humor e grande capacidade de armazenamento de líquidos em ambientes sociais. Ainda não há uma denominação consensual para esta espécie, mas sabe-se de antemão que não se trata de exemplares de "trilheiros cachaceiros" (Trilheiris cachaçatis).  Esses quase não mais existem na natureza. Só em cativeiro, praticamente. Portanto, não se trata dos mesmos seres vivos.

Para além da descoberta dessa nova espécie trilhística, nossos abnegados pesquisadores têm outra boa notícia: eles se adaptam a qualquer trilha-com-boteco-no-final, são amistosos e muito gregários, vivem em comunidade, e certamente estão longe do risco de extinção.

- FINAL DA TRILHA: 15:30h -

3 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkk morri de rir.
    Só vcs para terem tanta imaginação.
    mais uma espécie antropotrilheira: imaginensis fertilis :P
    .
    Parabéns pelo relato!
    .
    Adoramos a amizade de vcs ;)

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  2. amei a descrição, super criativa! E a trilha estava realmente maravilhosa. obrigada a todos. Marcia

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  3. Então...vou fazer uma trilh apor prais desertas em Ubatuba SP e ja estava animada, ja vi algumas fotos, mas depois destas descrições e impressões me animei mais ainda! Parabéns pelo Post!

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