segunda-feira, 15 de abril de 2013

Trilha Vale da Utopia



Existe uma lenda que ajuda a explicar o nome do lugar. Quem por ali passa, acaba ouvindo e aceitando, pois a história tem a sua graça. Recheada de cenários escandalosamente lindos, a Guarda do Embaú é um dos pontinhos no mapa que qualquer pessoa precisa conhecer algum dia. Paraíso para surfistas, hippies, naturebas e todo o tipo de gente boa, a Guarda atrai quem ama a natureza, quem gosta de boa gastronomia e quem se deleita com mar e sol. Mas e a lenda?, conta aí! Ah, é...

Dizem que há muito tempo atrás, fugindo dos seus perseguidores uns aventureiros esconderam naquela região um tesouro. Mas toda aquela riqueza precisava ser enterrada, e por isso guardaram-na numa grande arca. Incógnito e nunca encontrado, o tal tesouro ficara guardado em baú. De boca em boca, a expressão foi desprendendo as sílabas até formar uma nova expressão, batizando a charmosa praia que pertence ao município de Palhoça, na Grande Florianópolis.

Feita de areia, mas também de lendas, a Guarda do Embaú é boa para quem se atreve nas ondas, mas ótima também para quem se embrenha em trilhas. Foi justamente isso que conferimos no último domingo, junto a um grupo de trinta aventureiros do legendário Fazendo Trilhas. O céu escancarado de nuvens, o sol intenso e um arzinho gelado de manhã de outono não deu trégua nem mesmo para os preguiçosos. Deixar de seguir aquele caminho era impensável...

O destino foi a Praia da Pinheira, atravessando o Vale da Utopia, cruzando pastos caprichosamente aparados por hordas de bovinos. Mas havia ainda os costões, a pedra que permitia ver muito mais além, e a esplanada que nos deixava acenar para quem estava no extremo sul da Ilha de Santa Catarina. Olha lá a Ponta do Papagaio, a Pedra do Frade, o Farol de Naufragados!!!

Na areia branquinha, o siri amarelo corria de lado, olhando desconfiado para cima: gavião faminto planava lambendo os beiços. Nos trechos cobertos de mata, quem se fartava eram os mosquitos que chegavam a picar por cima da roupa, usando brocas de grosso calibre. Desinteressados, os nativos selvagens davam de ombros, e nós fomos adiante. Afinal, como diz a lenda, quem faz o caminho é o caminhante. Nosso percurso foi feito à base de sorriso e suor, pegadas, piadas e risadas.

Horas depois, por volta das quatro da tarde, chegamos famintos e vitoriosos ao nosso destino: a Pinheira. Mais especificamente, o restaurante da praia que nos aguardava com um banquete de comida tipicamente caseira. Parecíamos uma lendária nuvem de gafanhotos atacando arroz, feijão, saladas, pirão, carnes, batatas, peixes... Que nada! Estávamos só desfrutando o dia, o sol, a vida. Apesar de termos buscado em cada centímetro quadrado da Guarda, não encontramos nenhum tesouro em nossa caminhada. Também pudera! A riqueza estava em volta daquela mesa do restaurante, fazendo algazarra, gargalhando e esperando por mais um final de semana. Tesouro mesmo é a amizade...

domingo, 26 de agosto de 2012

Trilha da Praia da Solidão - Saquinho

       Roteiro da trilha: Praia da Solidão, Praia do Saquinho, Praia do Pastinho
       Horário do início: 11h
       Distância percoridda: aprox. 10 km
       Horário do retorno: 15h30

 

Uma baleia franca e seu filhote encantaram quem passou pelo Morro das Pedras no sábado, 25 de agosto. Com as nadadeiras para fora, eles ficaram horas exibindo a sua beleza no mar. Esse é um mês de avistamentos de baleias no litoral catarinense. Segundo o Diário Catarinense, 103 baleias franca foram observadas no litoral em um intervalo de apenas dois dias. No site do Projeto Baleia Franca, dá para acompanhar a movimentação dessas maravilhas da natureza em mares catarinenses.
 
 
A Praia da Solidão, no extremo sul da Ilha, tem 850 metros de extensão. É pequena e, como o nome diz, um refúgio para quem quer se isolar do mundo. 

Mas por pouco tempo! As casas têm se multiplicado na região, e vimos até prédios em construção. Em breve, o prazo de validade dessa quietude deve expirar.

Uma árvore aparentemente sem graça, sem muitas folhas, sem vida. Aparentemente...

A Trilha do Saquinho tem nome sugestivo e uma piada pronta. Mas não se preocupe, leitor, não faremos trocadilhos infames. Afinal, isso é um saquinho, né? Ops... foi mal!

A trilha que liga a Praia da Solidão ao Saquinho é aberta e bem conservada. Cerca de vinte famílias habitam o Saquinho, e a comunidade não conta por vontade própria com serviço de energia elétrica. O isolamento, a calma e a serenidade estão em todas as partes. O trecho que leva até o pacato conjunto de casas é todo pavimentado com uma grossa camada de cimento e calçamento.

Se o caminhante parte da Solidão, são uns 25 minutos de caminhada até o Saquinho, com descidas, aclives e contato intenso com a natureza.
Após o Saquinho, o caminhante pode ir além, rumo ao extremo sul. Ao longo do trecho está a Praia do Pastinho, e mais ainda, a de Naufragados. Aliás, nenhuma praia está mais ao sul da Ilha de Santa Catarina quanto essa. Desta vez, não fomos até lá. Após caminhar duas horas, decidimos parar num conjunto de rochedos que serve de mirante privilegiado para o arquipélago das Três Irmãs. São três ilhas que servem de berçário para aves e espécies marinhas e que ficam a poucos quilômetros de Florianópolis. Atrás delas, na mesma direção, as Ilhas dos Moleques do Sul...

Nossos sistemas não foram bastante precisos para calcular a distância percorrida. Mas o mapa acima, sinalizando a saída e chegada, as quatro horas de caminhada e as fortes dores por todas as partes do corpo apontam para um exercício de uns 10 quilômetros de trilha. Pelo menos...

O vento sul, as baleias, uma pequena jararaca no meio do caminho. Os silvos dos pássaros, o sobe-e-desce, o suor e as paisagens que se descortinam a cada abertura da mata. O bom humor e o bem-estar. A boa companhia e a certeza de que trilhar por aí é deixar o vento levar os maus pensamentos, fazendo permanecer só mesmo a alegria de estarmos vivos... Nada mal, não é mesmo?

domingo, 3 de junho de 2012

Caminho da Gurita

Caminho da Gurita, 4km de extensão, e uma das três trilhas mais populares da Lagoa do Peri (junto ao Caminho do Saquinho e Caminho da Restinga). Sábado, dia 2 de junho, e ventava muito! As lufadas varriam as águas quase inalteráveis daquele mar de tranquilidade como se estivessem num pires. O sábado amanheceu claro, ensolarado e ventoso. Só restava uma coisa a fazer: meter-se no meio do mato, de preferência com os amigos do Fazendo Trilhas.

O Parque da Lagoa do Peri, que é a segunda maior lagoa de Florianópolis, é dividido em três zonas: paisagem cultural, área verde de lazer e restinga biológica. Contornando em direção ao sul da Lagoa, embrenha-se por uma vegetação que flerta com a restinga, a Mata Atlântica e outras formações. Os morros que a cercam têm em torno de 300 metros. O caminho traz arbustos, árvores mais baixas e depois até mesmo coníferas que vestem o solo com um manto de finíssimas folhas secas.

Diferentes tons de verde se exibem. Mas há outras cores também. E o vento não para, insistente, gelado, agressivo. Intromete-se pelas mangas, despenteia as mulheres, arrasta a preguiça e os pensamentos ruins. O visual fica mais lindo a cada passo.

Maior manancial de água potável de Florianópolis, a área total da Lagoa é de 5,2 km². Acostumada a abastecer de água o sul da Ilha, o lugar também serve de berçário para diversas espécies de peixes, aves e pequenos animais (são 11 metros de profundidade máxima). Contam os mais observadores que nela também mora uma família de jacarés-do-papo-amarelo. Verdade verdadeira.

No entorno, o Parque Municipal da Lagoa do Peri, razoavelmente conservado em seus 23 km², com placas indicativas e caminhos abertos até os trechos mais habitáveis... no percurso, nos deparamos com casas construídas antes da criação do próprio Parque, em 1981. Os nativos convivem com a rotina tranquila do local, morando relativamente isolados.

"Mas que florzinha bonitinha"... "Não é flor, é uma batata", sentencia o trilheiro Willians Amâncio. Nascendo em pedra, é a primeira vez que vejo!

A floresta predominante nessa localidade é chamada Ombrófila Densa, muito verde, composta por bromélias, samambaias e árvores com média de 40 metros de altura. Em uma certa altura do trajeto, chama atenção a quantidade de pinheiros plantados no local, pois são árvores não nativas. No ponto da foto, estamos próximos da tão esperada cachoeira, nosso objetivo de caminhada.


Em 1976, a Lagoa do Peri foi tombada como Patrimônio Natural. No caminho, além das belezas da natureza há história, como um velho engenho (ou o que sobrou dele) de farinha e cana-de-açúcar perdido no meio da mata. Restaram apenas ruínas e paredes desfiguradas, consumidas por raízes e mato.

Em pleno outono, a Cachoeira da Gurita apresenta um volume de água bem menor, revelando pedras que antes ficavam submersas. São pequenas quedas que garantem um murmurinho relaxante. Cristalina e gelada, a água escapa pelas beiradas e desce sem pressa. Trilheiros mais corajosos se arriscam em mergulhos, enquanto que outros mergulham em seus sanduíches. Por lá, o tempo para. O banho dura mais, e a sensação de calma, também.


Resguardada no meio da mata, a cachoeira reina sem ventos. Bromélias observam os banhistas do alto das árvores. Borboletas atravessam o céu. Quase tudo é tranquilidade... cuidado! "Não sigam rio acima, sinto cheiro de perigo", alguém grita. Precavida, a turma não se arrisca. Afinal, pode haver anacondas... ou piraaaaaaanhaaaaassss... hehehe


Mais um dia muito revigorante interagindo com a natureza. Na volta, todos andando em fila indiana e a 100 por hora, pois a fome apertou. No almoço, rolou um feijão (com minúsculos pedaços de bacon, fato que desagradou alguns trilheiros), uma anchova grelhada (bem vinda por todos!) e omeletes espertos e rechonchudos. Dia maravilhoso ao lado de pessoas muito especiais.

domingo, 13 de maio de 2012

Morro do Lampião

Sexta, 11, todas as previsões de tempo: chuva nos três períodos, com pancadas em toda a Ilha de Santa Catarina. Sábado, 12, 8h20: sol radiante, céu aberto e miopia aguda na meteorologia. Sete abnegados contrariam os prognósticos e desafiam a natureza para "atacar" o Morro do Lampião...
O Morro do Lampião recebe esta denominação porque, na década de 1940, nativos da região subiam o morro com suas precárias lamparinas para orientar os aviadores de ocasião para que não trombassem no acidente geográfico. As fracas luzinhas amareladas evitavam que pilotos como Antoine de Saint Exupéry espatifassem seus teco-tecos na mata fechada...
O Morro do Lampião desafia não só os experientes aviadores, mas também os saudáveis pulmões. Por uma trilha a partir da rua Pau de Canela, a subida é íngreme, exigente, severa. Suamos às bicas, mas poucos minutos depois, temos um visual que rouba nosso fôlego... (Enquanto isso, na Manchúria, começa a chover com força...)
A trilha é aberta, ampla e só provoca mesmo quem se aventura a subir. Ângulos superiores a 45 graus exigem força de vontade, preparo físico, tenacidade e alguma privação de sentidos. Subimos, arfando, e avistamos a Ilha do Campeche... Na Escandinávia, precipitação de 25 milímetros... Por aqui, só suor...
Em Kuala Lampur, chove sem dó. Na Ilha de Santa Catarina, um sol senegalês...

Num dos mirantes do Morro do Lampião, avistamos a Ilha do Campeche; noutro, a Lagoinha e a Lagoa do Peri; opa! Olha lá, a Lagoa da Conceição! Isso mesmo! Talvez este seja o único local em que se possa visualizar as três formações...
Uau! Como chove nesta terra!
Em Joahesburgo, 10 mililímetros de precipitação. Na Ilha de Santa Catarina, nem uma gota sequer. Nada como se apoiar em modelos matemáticos...

De um dos mirantes do Morro, a vista exibe parte da ocupação no sul da Ilha. Condomínios se espraiam nos terrenos; casas se estendem por longas faixas de terreno; "filés" verdes resistem na paisagem, enquanto encorporadores fazem as contas para ver se vale a pena lançar suas fichas...
Enquanto a chuva castiga (a planície do Senegal), aviões perfuram as nuvens que pairam sobre a capital catarinense... Meteorologistas são avistados em fuga para o leste da Ilha, onde aconteceria um almoço secreto... Contam as más línguas que eles chegaram a discutir o uso do sistema cara-coroa para determinar a previsão do tempo, após o fragoroso erro de cálculo do sábado, quando não choveu uma gota sequer no sul da Ilha...
...
Fim da trilha... Morro do Lampião conquistado! Visual de 360 graus com visibilidade mediana, vento moderado e companhia mais que agradável. Nenhum incidente registrado na ocasião, exceto escorregões isolados na descida final. Ao menos não choveu, conforme agouraram os meteorologistas...
Em Manaus, Iwo Jima, Veneza e Cairo, chuvas ocasionais. Na Travessa Revoar das Corujas, num dos points mais hippies da Ilha de Santa Catarina, nadinha de chuva. Vai errar assim na Conchinchina! Mais uma trilha bem sucedida! Que venha o próximo destino! Faça chuva ou sol!!! 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Na trilha do Engenho (mais uma vez)

Recebemos milhares de cartas e mensagens eletrônicas de fãs que nos pedem dicas de como fazer uma boa trilha. Respondemos na medida do possível, e para ajudar muita gente, vamos oferecer agora um manual para levar criança em aventuras como as nossas. Esta é uma das dúvidas mais frequentes, e como a trilha que fizemos no domingo não é inédita (leia o relato aqui), vamos fazer a felicidade geral da nação.
Trilhas, expedições, travessias e peregrinações são programas perfeitos para levar os pequenos. O contato com a natureza, o convívio em família e a atividade física são apenas alguns argumentos de pedagogos, psicólogos e educadores. Esses especialistas, no entanto, ignoram aspectos que não podem ser ignorados antes de submeter seus filhos a riscos de vida, traumas variados e extenuantes rotinas de exercício físico...


Uma boa trilha começa no dia anterior, com a preparação das mochilas e demais apetrechos. Planejamento é fundamental. Os pais devem separar mantimentos, líquidos, equipamentos de segurança e kits de primeiros socorros. Dardos de tranquilizante também podem ser úteis. Tudo deve estar igualmente dividido em mochilas, tanto para adultos quanto para crianças. Cada participante deve levar a sua, independente da idade, tamanho ou peso da mochila. Conselho útil para famílias com crianças saltitantes...


Que alimentos levar? Sanduíches sem maionese (e sem salmonela), frutas (sem caroço) e biscoitos diversos. Não levar balas nem chocolate. As primeiras são difíceis de resgatar em gargantinhas estreitas, e o segundo atua como anfetamina natural, gerando uma reação em cadeia no organismo infantil, disparando energia infinita e impossível de ser contida.
Líquidos não podem ser esquecidos. São recomendados litros de refrigerante, por ajudar em divertidas sessões coletivas de arroto pela mata.


Antes de partir para a aventura, cheque o visual da garotada. Nada de túnicas com cores sóbrias e sem vida. Vista os pequenos com trajes confortáveis – e que não piniquem! - e de cores berrantes, que auxiliam a identificação a longa distância em possíveis resgates aéreos. Nada de tênis ou sandalinhas. Nem crocs. Tênis permitem escorregões, sandálias deixam aranhas entrar e crocs dão um chulé apocalíptico. Botinhas são as melhores opções: evitam torções, protegem as unhinhas encravadas e ficam uma beleza quando enterradas na lama.
Bonés também são importantes. Enterre um na cabeça no seu filhote.
Por fim, besunte as crianças com filtro solar fator 60. Para que o efeito seja satisfatório, passe duas “demão”, elevando o fator de proteção para 120. Seus filhos ficarão levemente esbranquiçados, mas quase impermeáveis. Passe da cabeça aos pés, inclusive nos cabelos e axilas.


Mas qual a idade mínima para levar uma criança para a trilha? Especialistas de todo o planeta divergem neste quesito. Use critérios igualmente científicos para definir isso: se seu filhote já anda e se alimenta sozinho, não tem nenhuma doença que possa infectar os demais trilheiros, e consegue carregar sua mochilinha, está na hora!


Podemos levar brinquedos? Não precisa, já que animais peçonhentos, monstros devoradores de trilheiros e enxames de insetos são diversão garantida nas trilhas. Apenas leve brinquedos se seu filhote fizer muito mimimi.


E se acontecer algum acidente na trilha?
Primeira coisa: mantenha a calma e não chore na frente das crianças. Elas, geralmente, têm pouca paciência nesses casos. Segundo: use o kit de primeiros socorros, acione o resgate de profissionais e, se você ainda estiver desesperado, recorra aos dardos de tranquilizante. Em hipótese nenhuma, entre em pânico. No meio da confusão, você pode até perder as crianças na floresta...


Trilhas não são sinônimos de estresse, medo, contusões ou desaparecimentos coletivos. Também não rimam com insolação, afogamentos e desarranjo intestinal. Trilhas podem ser inesquecíveis experiências familiares. Campeonatos de peidos, cantorias desafinadas e puxões de cabelo podem ser bem divertidos se você seguir estes nossos conselhos.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Na trilha da Lagoinha do Leste (again) e Morro da Coroa


Para fazer a trilha mais conhecida da Ilha você não precisa procurar muito. Dê um Google e aparecem mais de 33 mil resultados. Por isso, não vamos perder tempo dando indicações. Mais importante é contar como foi a aventura do último sábado, quando cerca de vinte amigos percorreram mais uma vez o caminho do paraíso.
Contrariando as expectativas, os comandantes do Fazendo Trilhas – Joel e Ana – não puderam liderar a trupe, pois estavam se aventurando em outras coordenadas. Contrariando a razão, topamos ser liderados pelo Tom Floripa: um perigo, é verdade, mas estávamos sem fazer nada em casa...
A proposta era fazer um mutirão de limpeza pelo caminho, retirando toneladas de resíduos sólidos deixados por contumazes porcalhões. Mas o que se viu ao longo do dia é que a missão fracassou: não houve coleta porque contrariando (de novo esse verbo? Não tem outro não?), porque surpreendendo a todos (ah! Ficou melhor agora!), surpreendendo a todos a trilha estava muito limpa. Daí que foi pro saco o propósito de falar de consciência ambiental como motivador do espírito de aventura. Falemos de outros temas: joelho, por exemplo.

Concentrado logo cedo na frente da Igreja da Armação, o grupo partiu para a Praia do Matadeiro, onde no final há o início da trilha propriamente dita. Dia de sol radiante, de ar levemente abafado, mas céu limpo. Na noite anterior, um dilúvio caiu sobre a cidade. No Facebook, alguns tentaram convencer que não seria uma boa fazermos o percurso (afinal, era o Tom Floripa que iria nos guiar...). Além do que poderia ter muita lama e condições acidentadas no trajeto, ou quedas de barreiras e sequóias, ou ainda a infestação de monstros devoradores de trilheiros... Nada disso! O dia estava perfeito para fazer atividade física, ter contato com a natureza e conviver com amigos. Duro é convencer os joelhos da gente...

A trilha da Lagoinha do Leste é um destino de paisagens estonteantes e vistas espetaculares. O caminhante vai recortando os morros, observando as encostas e se animando com os visuais que se descortinam a sua frente. Os passos são firmes, decididos até que, para desviar de uma árvore, você bate com o joelho esquerdo numa rocha. Neste instante, o sol mergulha no mar, a escuridão invade seus olhos e você enxerga... estrelas! Por um segundo interminável você imagina o estrago feito: ossos esmigalhados, cartilagem rompida e nervos dilacerados. No segundo seguinte, ainda sem coragem de abrir os olhos, você contabiliza o prejuízo: putz! O tendão patelar foi pro saco! Nossa! Cadê o meu menisco? Meeeeuuu! É isso o que sobrou de meus ligamentos? Mais um segundo e você já imagina o que acontecerá: vão tentar imobilizar a sua perna, pelo celular chamarão o helicóptero de resgate, haverá comoção no grupo, corre-corre no setor de emergência e manchetes nos jornais do dia seguinte. Que nada! Você é um aventureiro, um desbravador, um trilheiro, quase um super-herói. Você respira, engole o choro e ri amarelo para o colega ao lado que está com os olhos esbugalhados. Com o rosto parecendo uma uva passa, você ordena: “Vai na frente que eu quero fazer um xixizinho...”

Nada é melhor do que uma trilha para que a pessoa conheça o próprio corpo. Se você faz academia ou treinamento com os fuzileiros navais, saiba que isso é moleza. Se você é especialista em anatomia humana, numa trilha acaba descobrindo que não sabe nada. A trilha não é um programa de final de semana, não é um pretexto para a reunião de amigos, é um contato direto com o seu ser. (Ficou boa essa parte, hein? Vou evoluir um pouco mais...) Um contato direto com o seu corpo físico, com a consciência que tenta comandá-lo e com o espírito de determinação. Numa trilha, o organismo humano é submetido a rigorosos testes de fadiga, estresse e pressão social. Não bastasse a exaustão, tem as gracinhas que se ouve dos mais amigos quando você é o último a chegar ao destino se arrastando feito uma lagarto e com meio metro de língua pra fora...
Numa trilha, as paisagens paradisíacas servem como alento. Os sons dos pássaros e os perfumes locais despertam os sentidos, mas só você sabe quanto está cansado naquela subida íngreme ou desesperado ao passar rolando na descida. Mas, sabe, joelho é super importante...

Os joelhos compõem a principal articulação do corpo humano. Eles sustentam dezenas de quilos durante a vida toda de forma eficiente, e quando se queixam disso, você acha uma besteira. “Esse meu joelho não é de nada!” E você se esquece das muitas vezes que carregou a amada nos braços, sobrecarregando os SEUS amortecedores, dos momentos em que sustentava engradados de cerveja, pressionando as SUAS articulações.
Mas a Trilha da Lagoinha do Leste é a eleita por dez entre dez caminhantes não apenas pelo percurso. Tem a lagoinha propriamente dita - um recanto especialmente projetado para almas preguiçosas - , a larga faixa de areia na praia – convite a longas jornadas de sono -, e o mar – agitado, limpo, geladinho e irresistível. Tem ainda o Morro da Coroa, uma tentação para aventureiros incansáveis e espíritos indômitos.
É isso mesmo. Engatamos uma segunda marcha e desafiamos a gravidade novamente. Sim, eu sei, tem o joelho...

O Morro da Coroa assusta a quem olha pra cima. Não chega a ser um Kilimanjaro, mas a subida é íngreme, sem trilhas que permitam ziguezaguear até o alto. Tradução: tem que escalar, equilibrar-se entre pedras. Experientes, escolhemos o melhor horário para atacar o morro: meio-dia! O sol fritava os miolos de todos, curtia o couro dos pelados e esturricava o resto de razão que tínhamos preservado.
Como já dissemos, nada é melhor do que uma trilha para que a pessoa conheça o próprio corpo. Na escalada, você tem plena consciência corporal de ossos, músculos, nervos e articulações. Quando falta ar – quase sempre! -, você se lembra de que deveria ter comprado mais um pulmão naquela liquidação do mercado negro de órgãos. Você não mais sente o coração pulsar no peito, ele está em sua boca. A sua pressão arterial subiu até a estratosfera e você passa a enxergar pontos brilhantes do céu azul. A boca seca, você sua em bicas e pensamentos insanos assaltam a sua mente: apesar de tudo aquilo, você não quer parar, não pode parar e não vai parar até chegar.
Cientistas renomados das universidades de Boston e Merdon já efetuaram testes em trilheiros nessas condições e não souberam responder por que esses caras agem assim. Seus joelhos estão destroçados, mas a fibra permanece...

A escalada exige tempo. Determinação (ou teimosia) há de sobra. Cada trilheiro sobe conforme pode, importante é chegar, é desafiar limites pessoais. É vencer a si mesmo.
Assim, quando chegamos ao topo, ninguém contém o sorriso. Afinal, o mundo está a nossos pés...

O vento no rosto, o sobrevôo das aves muito próximo, o sol ao alcance da mão. No alto do morro, as rochas em forma de cunha estão encravadas no solo, formando uma bizarra coroa. Debaixo de algumas delas, descansamos por alguns minutos. Retomamos o fôlego. Lá de cima, a vista recebe todos os superlativos possíveis. Volúvel, o mar altera suas cores a cada centímetro observado. Sopra um vento morno e é preciso voltar.

Numa só palavra a subida é sofrida. Numa só palavra a descida é perigosa.
O escalador encaixa os pés nas fendas forçando uma espécie de degrau que permite equilibrar o corpo. Um passo por vez e a força da gravidade puxando pra baixo. Pedras soltas provocam ligeiros tombos. Nada grave. Escoriações. Mais do que a subida, a descida desafia os joelhos. O impacto nas articulações é maior. Toneladas sobre os ligamentos. Você respira e tenta ignorar os estralos que ouve a cada passo. Você apenas desce. Inspira-se no Atlântico, logo ali, piscando pra você... sacaninha... Depois de aportarmos na praia e beijar o solo, como João Paulo fazia, corremos para o mar. Água transparente, gelada, refrescante, limpa, esfuziante, espumante, sensacional. Um prêmio. Dá até vontade de beber...

Na água, com o corpo malemolente ao sabor das ondas, você faz como os jogadores de futebol após  uma batalha em campo: tratamento para relaxamento muscular. La-rá... vidinha mais ou menos...
Você lembra de como teve contato com a natureza: arranhou as pernas nos espinhos, levou galhadas no rosto, teve o vento nos cabelos, sentiu o perfume do mato molhado, o sol queimou sua pele, o mar refrescou sua pele, a pedra beijou seu joelho...
De lá, vamos pra lagoinha nos refrescar porque ninguém é de ferro... mais alguns banhos restauradores, regados a muitas gargalhadas, e afivelamos as mochilas novamente. Há a possibilidade de voltarmos pelo mar em embarcações contratadas. Mas que nada! Vamos mesmo pelo caminho que leva ao Pântano do Sul. É uma trilha, xará!
Mas e o joelho? Ora, pra que servem bolsas de gelo?